Valci Melo
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Era um ano de intensa seca. No moinho que ficava a alguns
metros da porta da cozinha estavam as caçarolas emborcadas. Decidido, Francisco
levanta cedo, amola a enxada e junto com seus quatro filhos mais velhos vão à fazenda
de seu Pedro Valério.
- Olha meninos, o serviço que eu tenho aqui é uma palma
pra limpar. Mas vou logo adiantando: o pagamento só se for em “legume” porque
dinheiro que é bom eu não tenho não!
- Tem nada não, senhor! A gente faz uma empreitada e o
senhor adianta uns quilos de feijão pra ir tapeando; depois a gente se acerta.
- Não, seu menino! Meu negócio é certo: eu não estou com
tanta precisão desse serviço. É mais pra vocês não voltarem “com as mãos
abanando”...
- Mas o senhor não precisa se aperrear; arrumando nem que
seja um “salamin[1]”
de feijão hoje, só depois do serviço pronto o senhor paga o resto.
- Bem, seu menino, vou dizer uma coisa: eu não me
interesso pelo serviço não! Ma se vocês quiserem tirar o “bode[2]” a gente
faz o seguinte: são dez tarefas; hoje à tarde vocês levam cinco quilos de
feijão e no final da empreitada receberão os outros cinco.
O pai olhou para os filhos, esticaram os olhos, franziram
a teste e morderam o lábio inferior. Em seguida, responderam:
- Negócio fechado!
O sol a pouco se pôs. Ainda se despediam do “fazendeiro” quando
descortinava na serra a enorme lua cheia.
Ansiosa, dona Lourdes ia na porta da frente e voltava,
preocupada com o marido e os filhos que não chegavam.
No rádio sobre uma mesinha próxima a cama da sala entoava
uma canção em homenagem a Virgem Maria cuja vida fazia daquela família seus
mais fieis devotos.
No terreiro pulavam seus outros sete filhos, curtindo de
barriga vazia a noite de lua cheia: “Bênção mãe lua, deixe meus cabelos crescer
pra bater na cintura. Me um cherenzinho pra eu dá aos meus pintinhos que estão
presos na cozinha morrendo de fome”.
- Deixa de carreira, menina, tu faz um arte! -
recomendava a mãe a Bizú.
- Graças a Deus que vocês chegaram... Pensei que não
vinham mais - exclamou a dona de casa aliviada.
- Pense numa trabalhada! - respondeu o marido que acabara
de chegar.
- Arrumaram pelo menos o que botar no fogo?
- Um “salamin” de feijão para tirar um “bode” da
desgraça! – respondeu um dos filhos.
- Mas é melhor que nada, né, meu filho? – questionou seu
Francisco.
- Vixe Maria! Temos que dar é graças a Deus por ter
achado um homem de bom coração que nos fez esse favor! – interviu dona Lourdes.
- Não, mamãe, cuide logo de botar essa comida no fogo que
nós ainda estamos em jejum – resmungou um dos filhos.
- Credo da Missa! E não comeram lá não foi? – perguntou dona
Lourdes.
- O homem só quis o serviço pra ajudar a gente... –
respondeu seu Francisco.
- Misericórdia! Não! Agora assim também é demais! Credo!
Injustiça! Ave Maria! Deus tome de conta...
[1] Equivalente a dez quilos.
[2] Roça com muito mato.
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Capa da obra recém-publicada pela Editora Protexto |
LEIA TAMBÉM: Inquietações: uma
reflexão poética da vida humana, livro de Valci Melo publicado recentemente pela Editora Protexto. Quem quiser saber mais sobre a obra
acesse: http://valcimelo.blogspot.com.br/2012/10/inquietacoes-uma-reflexao-poetica-da.html.
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