Valci
Melo
- Curucucu! Curucucu!
- Hummmmm! Vou
logo senão quando chegar lá não tem mais nada...
- Vai pra d’onde
menino, uma hora dessas?
- Catar umbu,
mamãe.
- Mas ainda é
madrugada, meu filho.
- É sim senhora. Mas
se eu não for agora quando chegar lá os meninos dos vizinhos têm catado os
melhores...
E lá vai o
moleque apanhar umbu às quatro horas da manhã. Quase não dorme, ou melhor, como
ele mesmo diz: “dorme com um olho no peixe e outro no gato”.
Mais tarde, o
irmão pega o milho que sua adorável mãe colocou de molho na tarde anterior e se
põe a moer.
A sofrida
senhora, então, de posse da massa, prepara aquele delicioso cuscuz que será
devorado com o sumo dos fartos e ambicionados umbus.
- Nossa Senhora!
Comi “que nem” rico! – diz o catador
de umbu.
- Que “nem” rico mesmo,
pois eles não dão valor a toda “merda” não, meu irmão – responde inconformado o
outro.
- Deixa de ser
mal agradecido, menino. Faz mal... A gente tem que dar graças a Deus pelo que
tem! Tanta gente gostaria de comer pelo menos isso...
- Mas porque é besta
e fica conformada com o jeito que vive. Por isso que não tem nada. Quero ver o
“saco do rico” encher! – revidou o “mal agradecido”.
- Mas tu não tem
jeito mesmo, né Manoel? “Quem trabalha Deus ajuda”, meu filho! “O pouco com
Deus é muito e o muito sem Deus não é nada!” – argumenta a mãe.
- A meu ver, Deus
está presente onde se faz o bem, não importa a quantidade! – rebateu o inconformado.
- Vamos parando
de vez com essa heresia! Onde já se viu?! Agora... Estou bem criando comunista
dentro de casa!
Cabisbaixo e
pensativo sai o subversivo para o oitão[1]. O
catador de umbu vai balear[2] e a
angustiada mãe, resmungando, recolhe a mesa:
- Diabo mesmo,
homem! Onde já se viu isso?! Menino mal criado, rapaz! Tomara ver isso se
repetir!
* Crônica do livro Pedaços de nós: memórias de um passado presente.
[1]
Parte lateral da casa.
[2]
Caçar pássaros.
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