A desavença
“No aperto e no perigo se conhece o amigo.”
Ditado
popular
Alguns dias se passaram e a família Ferreira começou a receber cobranças
dos débitos dos falecidos. Inclusive Jó, o genro, estava na lista dos
cobradores.
- Você é um homem sem coração, Jó! – reclamava Laura, sua esposa. – Num
momento como esse você vai à casa de meus pais para cobrar dívidas?!
- E você quer que eu faça o quê? – perguntava Jó, irritado. – É o meu
suor, minha filha!
- Mas você poderia ao menos deixar “a
poeira baixar” para poder tocar neste assunto. Está tudo muito recente, Jó.
- Eles deviam muito, Laura. Se eu não for agora, depois seus pais não
terão mais como me pagar...
E assim procedeu. Seu Joaquim e dona Leonarda, mesmo inconformados com a
atitude do genro, concordaram em honrar o compromisso assumido pelos filhos. Só
queriam que Jó, por ser da família, esperasse eles pagarem logo as dívidas mais
antigas e as pessoas de fora.
- Assim não! Vocês vão me desculpar, mas desse jeito não dá para mim.
- Nós vamos pagar todo o seu dinheiro, Jó! Só gostaríamos que tivesse um
pouco de paciência porque existem dívidas mais velhas. – tentou explicar seu
Joaquim.
- A questão é que estou precisando do dinheiro para tocar os meus
negócios – alegou Jó. – A não ser que vocês queiram assumir o empréstimo...
- Como assim? - perguntou dona Leonarda, sem acreditar que estava
passando por tudo aquilo.
- Se me pagarem em até 30 dias, recebo o mesmo valor que emprestei. Mas
passando disso, têm que me pagar 10% de juros ao mês.
- Assim não dá. – respondeu seu Joaquim. – Não temos como honrar um
compromisso desse jeito.
- Então quer dizer que eu vou sair no prejuízo? – questionou Jó.
- Não é isso que estamos dizendo, meu filho. – interrompeu dona Leonarda.
– Só estamos querendo que você compreenda a nossa situação...
- E a minha ninguém compreende?...
- Deixe para lá, Leonarda! – interrompeu seu Joaquim já irritado. – Pelo
que estou vendo é mais fácil negociarmos com os de fora do que com aqueles de
se dizem da família. Até o final do mês pagaremos o dinheiro desse enforcado.
Jó ficou muito irritado com o adjetivo que fora-lhe atribuído pelo sogro.
Levantou-se, deu um soco na mesa e apontando o dedo indicador para seu Joaquim,
esbravejou:
- Já que o enforcado aqui sou eu, então paguem o que me devem
imediatamente - até porque não estou querendo o que é de vocês; apenas desejo
receber o que custou o meu suor!...
Em poucos dias, Jó recebeu por um portador enviado pela família Ferreira o
dinheiro que tinha emprestado. A partir de então, seu Joaquim e dona Leonarda
não tiveram mais contato com ele e daí nasceu uma intriga “de sangue a fogo”.
As cobranças
“O mundo ‘é’ dos mais
espertos.”
Ditado popular
Muitos outros como Jó procederam. Ninguém aparecia para se declarar
devedor, mas quase diariamente surgia alguém querendo saber como ficaria a
dívida que João Pedro e Manoel tinham para com ele.
- Será mesmo que eles deviam tanto assim? – perguntava seu Joaquim, muito
queixoso, a dona Leonarda.
- “Onde tem fumaça tem fogo”, Joaquim. O que não podemos mesmo é deixar
os meninos penarem por causa dessas dívidas. Prefiro ficar sem nada a deixar
meus filhos sofrendo por causa disso. – garantia dona Leonarda, bastante
chorosa.
Para honrar os supostos compromissos dos filhos, seu Joaquim e dona
Leonarda tiveram que vender muitos bens: primeiro se desfizeram do rebanho
bovino; não sendo suficiente, venderam também o rebanho de ovinos. Ainda
restando algumas dívidas, tiveram que se desfazer de uma parte do terreno.
Vendo-os aperreados, os interessados na compra dos bens não ofereciam o
devido valor, o que dificultava mais ainda a situação. Mas não tinham
alternativa: não podiam deixar os filhos sofrerem por conta das dívidas nem os
cobradores estavam dispostos a esperar.
As viúvas
“Quem planta vento colhe tempestade”
Ditado
popular
Com a morte dos esposos, Cecília que era recém-casada foi embora para a
casa de seus pais que moravam a mais de 60 quilômetros. Lá, três anos mais
tarde casou-se com Sebastião, filho de Severino Oliveira, antigo vizinho de
quem o esposo e o cunhado tinham comprado os bens numa época de seca.
Quando soube do casamento entre Cecília e Sebastião, Angélica, que após a
morte do esposo mudou-se com sua filha Ivone, de 02 anos, para a residência de
seu Joaquim e dona Leonarda, começou a alimentar a suspeita de que a
contracunhada estivesse envolvida com o assassinado do João Pedro e Manoel.
Os pais dos rapazes ficaram muito chateados com a possibilidade e
começaram a relacionar a desconfiança com o comportamento pregresso de Cecília.
- Ela nos abandonou no momento em que a gente mais precisava de companhia!
– reclamava dona Leonarda.
– Na certa já estava de conluio com os bandidos! – asseverava Angélica.
- E o que mais revolta é que tudo se passou debaixo do nosso nariz e a
gente não se deu conta a tempo. – lamentava seu Joaquim.
- Mas a verdade prevalece... A justiça divina tarda, mas não falha... –
profetizava Angélica.
De início, seu Joaquim ainda cogitou a possibilidade de desmascarar a
ex-nora, mas foi convencido pela sapiência de Angélica:
- Vamos entregar nas mãos de Deus. “Quem com ferro fere, com ferro será
ferido”. Senão aqui; na outra vida... – garantia.
Cecília nunca ficou sabendo das desconfianças. O máximo que suspeitava
era que a família Ferreira a desprezava por ter abandonado a viuvez. Já para
seu Joaquim e dona Leonarda, não restavam dúvidas: sua mudança de endereço e
seu casamento com o filho de Severino Oliveira eram as provas vivas de que
tinha culpa no cartório.
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* Capítulos 13 a 15 do romance O SONHO DA CONVERSÃO cuja publicação dar-se-á aqui e no Portal http://www.escritoresalagoanos.com.br/texto/6118 ao longo dos próximos dias.
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